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Segunda Guerra Mundial

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Quando os militares americanos chegaram a Natal em 1942, durante a efervescência da Segunda Guerra Mundial, encontraram uma cidade com uma população de 55 mil habitantes e apenas um refúgio noturno: o cabaré de Maria Boa. Maria Oliveira Barros, figura emblemática daqueles tempos, nasceu em 1920 em Remígio, uma localidade próxima a Campina Grande.

Na metrópole, a jovem Maria contribuía com a economia familiar, comercializando produtos na feira sob a supervisão de seu pai. Foi nesse cenário que ela ganhou o apelido de “Boa”. Enquanto alguns alegam que o apelido derivou de sua amabilidade com os frequentadores da feira, outros acreditam que ele fazia referência à sua notável beleza. Era uma mulher muita bonita e que chamava à atenção pelos seus lindos cabelos pretos e longos. Porém, esse pseudônimo não agradava ao seu pai, mas certamente a destacava aos olhos dos jovens da região. Muitos paravam em sua barraca apenas para admirá-la. Um desses jovens, particularmente, conquistou seu coração. Infelizmente, após seduzi-la e romper sua inocência, ele se recusou a casar-se com ela sob a justificativa de buscar alguém de um status social superior. Sentindo-se traída e com sua honra manchada, Maria enfrentou a rejeição de seu pai, que a expulsou de casa.

De forma abrupta, a jovem, outrora vista como exemplar e virtuosa, teve sua reputação manchada por uma única escolha. A menina do interior, antes admirada por sua beleza e postura reservada, foi estigmatizada por um único incidente. Seu pai, buscando manter sua imagem de homem honrado diante da sociedade, adotou uma postura rígida e condenatória, afirmando que não toleraria tal “desonra” em sua casa.

Ela mudou-se para João Pessoa por volta de 1935, onde inicialmente trabalhou em uma tipografia como secretária. No entanto, não levou muito tempo até que ela se encontrasse no mundo da prostituição. A narrativa de sua chegada a Natal é contada de maneira variada pelos historiadores. Por exemplo, Gomes de Melo sugere que ela já atuava em um bordel quando Madame Georgina, proprietária da Boate Estrela em Natal, ouviu falar de sua notoriedade e decidiu contratá-la. A estreia de Maria Boa na Estrela foi um evento marcante. Madame Georgina investiu pesado em seu vestuário, acessórios e na ambientação musical para fazer uma apresentação memorável aos frequentadores do local.

Naquela noite, ela cruzou o caminho de um dono de engenho e também funcionário público, que ficou encantado por ela. Ele passou a prover financeiramente para Maria e a visitava com frequência na Estrela. Meses depois, Maria descobriu que estava grávida. Ao saber da gravidez, o amante reagiu de forma violenta, agredindo-a de forma que resultou em um aborto. Profundamente traumatizada, Maria se distanciou da Boate Estrela e cortou laços com Madame Georgina.

O começo do empreendimento de Maria Boa em Natal

Na década de 1940, com sua perspicácia empreendedora, Maria identificou que Natal carecia de um espaço onde os homens locais pudessem se entreter, desfrutar de música, teatro, bebidas e conversas, acompanhados por mulheres elegantes e charmosas. Assim, ela decidiu inaugurar seu próprio cabaré, não se limitando apenas à prostituição, mas a um ambiente rico em apresentações culturais, como o teatro de revista, servindo também como ponto de encontro para os jovens da cidade. Com a chegada dos soldados americanos devido à Segunda Guerra, Maria Boa reconheceu uma oportunidade, ciente de que esses visitantes estariam dispostos a investir em tais diversões locais. Dessa forma, em parceria com um amigo, ela estabeleceu seu empreendimento na Rua Mermoz, situada na Cidade Alta.

Maria Boa valorizava a educação e cultura de suas funcionárias. Frequentemente, investia em livros para elas e financiava ingressos para teatros e concertos. Era comum avistá-la acompanhada de suas garotas em exposições artísticas. As mulheres contratadas para o cabaré eram selecionadas não apenas por sua beleza e elegância, mas também por sua perspicácia intelectual. No estabelecimento de Maria Boa, era esperado que elas pudessem engajar os homens em conversas estimulantes, o que, além de entreter, incentivava-os a prolongar sua estadia, consumindo mais alimentos e bebidas no bar, antes de se dirigirem aos quartos para finalizar a noite.

Com sua crescente fama, questionaram Maria Boa sobre o motivo de receber tanto respeito em Natal, considerando que era proprietária de um cabaré, tipo de estabelecimento que, apesar de ser frequentado secretamente, era publicamente estigmatizado. “Natal me respeita porque eu respeito Natal”, teria respondido Maria, conforme relatos populares.

Durante o apogeu do cabaré de Maria Boa, nas décadas de 50 e 60, acredita-se que entre 50 e 70 prostitutas atuavam no local. Eram carinhosamente referidas como “As meninas de Maria”, alcunha popularizada pelo historiador Luís da Câmara Cascudo. Estas mulheres vinham de diversas regiões do Brasil, muitas delas com trajetórias que espelhavam a da própria Maria – que, vale ressaltar, era vista menos como uma mera cafetina e mais como uma figura matriarcal. Muitas eram expulsas de seus lares por desafiar normas morais tradicionais. Maria as encontrava por meio de contatos feitos no cabaré ou era diretamente procurada, dada a reputação de seu estabelecimento como um dos cabarés mais renomados do Brasil.

Uma réplica do avião B-25 com o nome de Maria Boa.
Uma réplica do avião B-25 com o nome de Maria Boa.

O espaço concebido por Maria Boa rapidamente ganhou reconhecimento, atraindo tanto os locais quanto os americanos que desembarcavam na cidade. Sua fama se estendeu ao ponto de ser homenageada em aeronaves que decolavam da Base Aérea de Natal, com algumas exibindo pinturas com seu retrato. Inclusive, um desses aviões recebeu seu nome como batismo.

A história de Maria Boa é uma mistura de uma realidade difícil, empoderamento feminino e a capacidade humana de superar desafios. Sua vida e legado continuam a inspirar gerações, servindo como um lembrete da rica tapeçaria cultural que compõe a história do Rio Grande do Norte. Maria Boa não é apenas uma lembrança de uma era passada, mas também um testemunho da resiliência, determinação e espírito empreendedor de uma mulher à frente de seu tempo.

Famosa por suas belíssimas praias e hospitalidade, poucos imaginam que Natal, a capital do Rio Grande do Norte, com sua localização estratégica no Oceano Atlântico, serviu como um importante ponto de apoio para os Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. A cidade abrigou a Base Aérea de Parnamirim, que na época era uma das mais movimentadas do mundo. O investimento dos Estados Unidos da América na infraestrutura da base impulsionou o desenvolvimento urbano e econômico de Natal, lançando as bases para seu crescimento subsequente.

A construção da Base Aérea de Parnamirim necessitava de uma vasta melhoria na infraestrutura local. “Os americanos trouxeram consigo técnicas avançadas de engenharia e construção, resultando em um upgrade significativo para Natal em termos de sistema de água e esgoto, eletricidade e transporte”, diz Carlos Eduardo Lins da Silva, historiador local. A estrutura física da cidade se transformou, passando por uma urbanização acelerada para acomodar a presença dos militares americanos. As melhorias não só beneficiaram os soldados da época, mas também serviram como um legado duradouro para os cidadãos de Natal.

A presença dos militares também trouxe um influxo de capital para a cidade. A construção da base aérea de Parnamirim gerou empregos para a população e os soldados gastavam dinheiro na economia local, o que incentivou o desenvolvimento do comércio e serviços. Isso desencadeou um ciclo virtuoso de crescimento econômico que persistiu mesmo após o fim da guerra.

A chegada de tantos estrangeiros também afetou a cultura de Natal. Expostos à cultura americana, os natalenses incorporaram influências na música, no cinema e até na língua. A presença dos americanos também resultou em um nível de miscigenação, deixando um legado cultural e étnico na cidade. Hoje, a presença da Segunda Guerra ainda é sentida em Natal. A Base Aérea de Parnamirim continua sendo uma parte importante da economia local e a cidade cresceu em torno da infraestrutura deixada pelos americanos.

Natal, a cidade do sol, carrega em sua história um capítulo decisivo do século XX. A cidade que acolheu e auxiliou os aliados continua a se beneficiar do legado deixado por aquela época turbulenta, crescendo e prosperando à sua maneira. A importância de Natal na Segunda Guerra Mundial não apenas moldou o curso da história, mas também deixou um impacto duradouro que ainda hoje é sentido na cidade e em seu povo.