Em 22 de agosto, celebra-se o Dia do Folclore. Luís da Câmara Cascudo, renomado folclorista brasileiro, define o folclore como a cultura popular solidificada pela tradição. Trata-se de uma tapeçaria de conhecimentos, crenças e práticas enraizadas no valor emocional que detêm para as comunidades. Contrariamente à percepção de muitos, o folclore não é um relicário do passado. Ele está em constante evolução. Contudo, novos componentes que se juntam a esta cultura frequentemente adotam uma aura de tradição para sua aceitação. Elementos obsoletos ou que perderam sua relevância são naturalmente descartados. Portanto, o folclore é uma entidade viva, sempre em metamorfose.
Cobras da Lagoa de Extremoz
No final do século XVI, estabeleceu-se o aldeamento de São Miguel do Guajiru. Em 1760, essa localidade foi elevada à categoria de primeira vila do estado. No entanto, em 1855, o centro administrativo do município foi transferido para a localidade de Boca da Mata. Essa última então recebeu o status de vila e foi renomeada para Ceará-Mirim. Como consequência dessa transição, Extremoz foi relegada ao esquecimento, tornando-se uma aldeia quase fantasma, cercada de histórias e lendas. Dizem:
“No tempo dos frades, a lagoa era povoada por duas cobras enormes. Uma, muito feroz e atrevida, devorava os banhistas e quem atravessasse a lagoa se devia pegar com S. Miguel para que a cobra não viesse agarrá-lo. Especialmente as crianças eram as vítimas preferidas pela fome inextinguível do ofídio. A outra cobra era mansa. Limitava-se a assobiar tristemente nas tardes em que seu companheiro nadava perseguindo os incautos.
Que cobras eram estas? Foram duas crianças pagãs que os indígenas jogaram dentro da lagoa, a conselho dos pajés, para que os padres não as batizassem. Viraram cobras e estavam cumprindo penitência.
Num domingo, depois da missa, um padre missionário veio até a margem da lagoa e falou em nome de Deus, todo poderoso. Intimou-as a comparecer na igreja, naquela tarde, às horas da benção do Santíssimo Sacramento. A cobra fêmea, tardinha, saiu da lagoa, arrastou-se, repelente e viscosa, ára a vila, espavorindo quem a avistava. Atravessou a praça e enrolou todo o edifício da igreja com seu imenso corpo reluzente, juntando a cabeça e a cauda na soleira da porta principal. Do altar-mor, paramentado, o Vigário admoestou-a à santa obediência e, erguendo a mão, abençoou-a. A cobra desenroscou-se, voltou, coleante e terrível, para as águas da lagoa. Nunca mais saiu nem fez mal. Vez por outra vêm seu dorso negro, sobrenadando.
O companheiro, desobediente, não veio à igreja. O padre amaldiçoou-o da porta do templo, em voz alta e em latim. A cobra excomungada nadou para o outro lado da lagoa, esgueirou-se pelo mato, ansiada e bufando como uma locomotiva, derrubando arbustos com o açoite furioso da cauda poderosa. No sítio estirou-se e morreu. Nesse local nunca mais cresceu capim e a estreita faixa de areia no meio da vegetação reproduz fielmente o contorno da serpente fantástica”. (CASCUDO, Geografia dos Mitos Brasileiros).