No ano de 1904, retirantes do interior do Rio Grande do Norte chegaram à cidade do Natal carregando enxadas, instrumentos símbolos do trabalho no campo e de sua origem rural. Eles se reuniram nas proximidades do Teatro Carlos Gomes, no bairro da Ribeira, vestindo roupas simples e muitos carregando filhos ainda crianças. A área próxima ao teatro se tornou um refúgio para aqueles que buscavam algum tipo de abrigo ou ajuda.
A cidade, que antes era conhecida por sua tranquilidade, passou a viver momentos de tensão e medo. A criminalidade aumentou, fruto do desespero e da necessidade, e as lojas e casas foram assaltadas. A miséria tornou-se um rosto comum nas ruas da capital potiguar, e a fome começou a assombrar a população. A situação dos retirantes causou uma comoção social sem precedentes, marcando a história de Natal e do estado do Rio Grande do Norte. A invasão de 1904, portanto, não foi apenas uma mera ocupação física, mas também um grito de socorro do povo nordestino, que clamava por auxílio frente a um cenário de extrema penúria.
No contexto desta grande crise, a angústia também atingiu os mais altos cargos do estado. O então governador, Tavares de Lyra, desesperado com a situação, enviou um telegrama urgente ao presidente da República, Rodrigues Alves, descrevendo a situação dramática:
“Pelas estradas, misturadas aos bandos de famintos, notam-se já famílias de antiga representação social, que dispunham de tiva fortuna, aniquiladas pela seca. São inúmeros os furtos pelos campos, sendo já numerosos os assaltos a casas de comercio e residências. Não resta mais nenhuma esperança de inverno… espetáculo da nudez e fome, mesmo na capital, urgentíssimo. Nesta cidade, além do pessoal aproveitado nos trabalhos da estrada do Ceará-Mirim e de milhares que aguardam passagem, […], vagam pelas ruas outros milhares de indigentes sem abrigo nem pão, morando da caridade dos habitantes. […]. Começam a aparecer casos de disenteria e varíola. Aqui, como no interior, repetem-se diariamente inúmeros óbitos por inanição. Queira vossa excelência O Presidente da República Rodrigues Alves caridosamente atender a súplica de um estado inteiro, vitimado por uma calamidade que abateu todas as suas energias, reduzindo assustadoramente sua população pela expatriação e pela fome e aniquilando todas as suas forças produtoras.”
Este episódio ilustra a dureza e a resiliência do povo brasileiro em meio a adversidades. É uma lembrança vívida de como a natureza e as condições climáticas podem afetar a vida das pessoas e de como a solidariedade e a ação governamental são essenciais para enfrentar esses desafios. Embora o episódio tenha ocorrido há mais de um século, as lições aprendidas continuam relevantes. A memória desta grande invasão deve servir como um lembrete para as autoridades e a sociedade sobre a importância de políticas públicas eficazes de combate à seca e de apoio à população em situações de emergência.