Originário dos povos berberes do Norte da África, mais especificamente da região do Magreb, que inclui países como Marrocos, Líbia, Tunísia, Argélia e Saara Ocidental, o cuscuz trilhou uma rota complexa para se estabelecer na culinária brasileira. Primeiro, cruzou as águas do Mar Mediterrâneo em direção à Península Ibérica, para depois navegar o Oceano Atlântico rumo ao Novo Mundo. Nesta jornada, foi reinterpretado, reformulado e redescoberto, assumindo diversas formas por todo o Brasil. Inicialmente, tornou-se uma base alimentar vital para os povos indígenas, evoluindo em seguida para um potente símbolo de resistência no semiárido sertanejo.
No século XVI, com a chegada dos portugueses ao Brasil, diversos novos ingredientes e pratos foram introduzidos no país, incluindo o cuscuz. Naquela época, Portugal já tinha contato com a culinária do Norte da África, devido às suas rotas comerciais e conquistas territoriais. Originalmente feito de sêmola de trigo, um ingrediente bastante presente na culinária do norte da África, o cuscuz representa hoje uma das maiores riquezas imateriais da região Nordeste. Prato dotado de extrema democracia, pode ser degustado de incontáveis maneiras e é um emblema forte de identidade cultural, sublinhando a força e resiliência do povo nordestino.
Qual a origem do nome Cuscuz?
O nome “couscous” é a versão em francês de “k’seksu”, palavra criada pelos colonizadores na Argélia. Em berbere, “k’seksu” é uma referência ao som do vapor na cuscuzeira durante o cozimento. No Brasil, couscous foi abrasileirado para cuscuz.
O cuscuz no nordeste
Vários fatores contribuíram para a ascensão rápida do cuscuz na região Nordeste. O milho, nativo do Brasil, era abundante e capaz de resistir a diversas condições climáticas, tornando-o um recurso confiável. Ademais, é um alimento de alto valor nutritivo. A facilidade de seu preparo o tornava acessível a todos. Os povos indígenas, ao serem apresentados ao cuscuz, identificaram as vantagens que ele oferecia e rapidamente incorporaram-no em suas dietas.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, que pesquisa comunidades e povos indígenas no Nordeste brasileiro, Estevão Palitot explica que o cuscuz, na verdade, não é um ingrediente específico. Nem uma receita. “O cuscuz é o modo de preparo. É um grão que é hidratado e cozido”, destaca.
Consequentemente, encontramos diversas versões de cuscuz ao redor do mundo. Seja o berbere, o paulista, ou o originário do arquipélago de Cabo Verde, cada um deles apresenta características singulares e acompanhamentos específicos. Contudo, no Nordeste, região que se destaca pela versão mais popular do prato no Brasil, o cuscuz é preparado de maneira extremamente simples: utilizando flocos de milho moído cozidos a vapor. Essa preparação lhe confere seu reconhecível e vibrante tom amarelo. “O cuscuz no Nordeste vira uma mistura de tradições afroindígenas, em que o português é mero contrabandista”, declara o professor Estevão Palitot.
Mais do que um simples prato, o cuscuz nordestino tornou-se um símbolo de identidade cultural e resistência. Ele é um alimento básico no café da manhã nordestino, muitas vezes servido com leite, queijo, manteiga, ou acompanhado de ovos, carne ou frango. Em algumas regiões, é também preparado com camarão, legumes e temperos, transformando-se numa refeição completa.
A simplicidade do cuscuz, aliada à sua versatilidade, faz dele um prato democrático e amado por pessoas de todas as idades e classes sociais. Seu sabor, adaptabilidade e importância cultural, ressaltam a riqueza da culinária nordestina e a capacidade de sua gente de transformar e recriar tradições. A história do cuscuz nordestino é um exemplo vivo de como a culinária é um reflexo da cultura e das transformações sociais de um povo.
A viagem do cuscuz, da África para o Brasil, e sua transformação ao longo dos séculos, simboliza a rica tapeçaria da culinária brasileira e a adaptação da nossa sociedade às influências externas, sempre criando algo único e inconfundivelmente brasileiro.